Restrições à publicidade prejudicam hoje a pequena advocacia, diz advogado

Restrições à publicidade prejudicam hoje a pequena advocacia, diz advogado

Com o intuito inicial de proteger os pequenos advogados, as restrições à publicidade na advocacia acabaram, atualmente, trazendo o efeito contrário: prejudicam os pequenos escritórios e os jovens advogados que precisam divulgar os seus serviços. Essa é a avaliação do advogado João Carlos Navarro de Almeida Prado, defensor de colegas no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Ordem dos Advogados do Brasil e mestre em Direito Constitucional pela USP.

Com nove anos de experiência na defesa no TED, Navarro afirma que vem em boa hora a abertura de consulta pública sobre regras para a publicidade pelo Conselho Federal da OAB, já que o provimento que trata do assunto tem 19 anos.

O Conselho Federal quer ouvir a advocacia para atualizar suas regras sobre a publicidade da classe. O tema está em consulta pública entre os meses de setembro a novembro para que os advogados mandem suas sugestões. O principal objetivo da medida é atualizar o Código de Ética da Advocacia e o Provimento 94/2000 do Conselho Federal para tratar da presença de advogados e escritórios nas redes sociais.

Navarro acha que a consulta individual, quando considerada isoladamente, não trata o problema da forma mais adequada. Sugere que, adicionalmente, as seccionais promovam discussões e depois levem ao Conselho, tendo em vista as peculiaridades de cada estado do país. “Em matéria de publicidade, não existe certo ou errado. Cabe à entidade de classe, democraticamente, fixar as regras que melhor expressem os anseios da advocacia.”

Dias depois da abertura da consulta, o colégio de presidentes de Tribunais de Ética e Disciplina da OAB se reuniu na sede da OAB-SP para realizar a primeira reunião ordinária do colegiado. Uma comissão de estudos foi organizada para atualizar o provimento 94/00. Eles também reconhecem que a advocacia mudou nas últimas décadas e que, por isso, é necessário preparar os tribunais de ética para lidar com a nova realidade. A preocupação continua a mesma: impedir a mercantilização da profissão e a captação de clientela.

Leia a entrevista:
ConJur — De onde que vem as restrições de publicidade à advocacia?
João Carlos Navarro de Almeida Prado — A OAB tem uma luta histórica de defesa de todos os advogados. Existe, por esse motivo, um objetivo de se defender pequenos escritórios, as pequenas bancas contra um domínio, um monopólio dos grandes escritórios de advocacia. O que ocorria? A OAB via que o acesso à publicidade na mídia televisiva, no rádio, nos jornais de grande circulação tinha custo extremamente elevado, de maneira que apenas os grandes teriam acesso a esse tipo de publicidade. Logo, caso fosse permitida a publicidade nesses meios de comunicação acabaria sendo um grande benefício para os grandes escritórios – por terem condições de arcar com esse custo – em detrimento dos pequenos, que ficariam impedidos de se tornarem conhecidos no mercado, consequentemente de expor os serviços que são prestados.

ConJur — A publicidade é diferente no Brasil e nos Estados Unidos por exemplo?
João Carlos Navarro de Almeida Prado — Sem dúvida nenhuma. Na verdade, o Brasil tem restrições que, comparadas a Estados Unidos, Inglaterra e outros países da Europa, as diferenças são enormes. O que ocorre é que, nesses outros países, a advocacia é vista como uma profissão semelhante às demais. Portanto tem um caráter comercial, empresarial, inclusive existe a possibilidade de grandes escritórios de advocacia abrirem o capital para ações na bolsa de valores (IPO). Isso já mostra como a advocacia, naqueles países, é encarada como negócio. Em termos práticos acerca da publicidade, basta dizer que, nos Estados Unidos, é extremamente comum vermos outdoors, anúncios no rádio, na televisão de serviços de advogado. E curioso que muitos desses serviços não possuem qualquer tipo de moderação que é algo tão caro na publicidade no Brasil. São anúncios que, podemos dizer, de fato estimulam a litigiosidade em razão do seu conteúdo. Tem um anúncio clássico que diz: “a vida é curta. Divorcie-se”, trazendo imagens como os prazeres que a vida proporciona depois de um divórcio. Coisas bem diferentes do que nós vemos no Brasil, em que se entende que a advocacia é uma profissão incompatível com a mercantilização. São vedadas as práticas de mercantilização tendentes à captação de clientela. Porque a advocacia é vista como uma profissão que deve ser exercida de maneira discreta, com a publicidade marcada pela moderação.

ConJur — Por que foram estipuladas vedações tão rígidas ao tipo de publicidade no Brasil?
João Carlos Navarro de Almeida Prado — Exatamente por se entender que o advogado não exerce uma atividade mercantilista. Entende-se que a advocacia deve seguir uma forma de atuação tradicional, ou seja, o advogado estabelece o seu escritório e os clientes devem ir até ele e não o contrário. Portanto o que deve atrair a clientela é a reputação advogado, o bom trabalho prestado a determinadas pessoas, que, estas, sim, irão fazer uma publicidade positiva, atraindo novos clientes para aquele advogado e não ele tomar posturas ativas, fazer uso de marketing para atrair os clientes até si. Dessa forma, tínhamos um Código de Ética, de 1995, editado no ano seguinte ao Estatuto da OAB, a Lei 8.906 de 1994, e aí esse código de 95 que trazia restrições à publicidade e impunha a discrição, a moderação e uma série de vedações foram a marca impressa justamente para evitar que a advocacia fosse vista como uma atividade mercantil. Posteriormente, foi editado um novo Código de Ética, recente, de 2016, que estabeleceu normas que eu diria até muito semelhante às anteriores. A ideia de um novo código em 2015, que entrou em vigor em 2016, foi de atualizar para as novas tecnologias, o surgimento da internet, que certamente não havia quando da edição do Estatuto da OAB em 94 e do Código de Ética em 1995. Essas vedações são presentes já há um tempo considerável no país.

ConJur — Hoje com a internet isso não gerou efeito contrário?
João Carlos Navarro de Almeida Prado — Sim, com toda a certeza. Como disse, as restrições à publicidade surgiram no Brasil com o objetivo de não prejudicar os pequenos escritórios, que não tinham condições de concorrer em igualdade de condições com grandes bancas na oferta de publicidade. Só que hoje, com o advento das novas tecnologias, internet e redes sociais, a publicidade se tornou algo barato, algo acessível a toda a advocacia. Então o cenário que se vê é exatamente contrário ao anterior, de forma que as restrições à publicidade acabam fazendo com que aquele pequeno advogado, principalmente o novato, não tenha condições de divulgar os seus serviços para se tornar conhecido e com isso atrair clientela, ao passo que os grandes escritórios não precisam fazer uso desses expedientes de publicidade na medida em que já são conhecidos, consagrados com grande carteira de clientes, logo a publicidade torna-se algo dispensável para esses escritórios renomados. No intuito inicial de proteger os pequenos advogados, as restrições à publicidade acabam hoje trazendo o efeito contrário de prejudicar os pequenos escritórios e os jovens advogados a divulgarem os seus serviços.

ConJur — Por que a OAB neste momento resolveu rever as regras de publicidade?
João Carlos Navarro de Almeida Prado — Além do Estatuto da OAB, o Código de Ética de Disciplina de 2015, existe um provimento de número 94 do ano 2000 do Conselho Federal que traz regras de publicidade. Com o advento do novo Código de Ética de 2015 surgiu a dúvida se aquele provimento estaria prejudicado, derrogado pelo novo código de ética que traz novas regras sobre a matéria publicidade, inclusive falando sobre uso da internet. O Conselho Federal entendeu por bem que seria necessário um novo provimento para maior detalhamento de todas as questões que afetam a publicidade na advocacia em substituição ao Provimento 94 de 2000. Justamente para contemplar todas essas novas questões, como redes sociais, aplicativos de comunicação, e a internet de uma forma geral. É justamente por conta disso que o Conselho Federal, visando ouvir a jovem advocacia, abriu uma consulta pública pela qual todos os advogados do Brasil têm a possibilidade de participar da enquete.

De toda a forma, particularmente entendo que o ideal não é termos uma consulta pública em que os advogados participam apenas individualmente respondendo a este questionário mas sim que a OAB – e digo o Conselho Federal e todas as seccionais do país – promovam verdadeiras discussões, audiências públicas, debates, variada gama de eventos para que essa participação possa se dar da maneira ativa e, quem sabe, cada seccional, extraindo resultados desses eventos, possa levar uma opinião que reflita ao menos a vontade majoritária daquele determinado Estado. É certo que a opinião da advocacia de São Paulo pode diferir da advocacia do Acre, do Rio Grande do Sul etc. O Brasil é um país marcado por muitos contrastes e diferenças, de maneira que é fundamental uma participação ativa da classe e a OAB tem o papel de fomentar a participação para que se chegue a um provimento que de fato expresse o pensamento da maioria dos advogados.

ConJur — Na sua visão, a publicidade deve continuar como está? De que forma o advogado poderia fazer uso das redes sociais para impulsionar seus serviços?
João Carlos Navarro de Almeida Prado — Entendo que a publicidade precisa, sim, ser revista. O próprio Conselho Federal tomou iniciativa de fazer a consulta pública, que é o advento das novas ferramentas tecnológicas que carecem de regulamentação. Estamos aqui falando principalmente das redes sociais. Diante disso, é necessário sim que haja a possibilidade do advogado fazer uso das redes sociais para impulsionar os seus serviços. Poderia se questionar: mas isso não caracterizaria uma captação de clientela? A meu entender, o fato de se utilizar das redes sociais não infringe as regras de publicidade da OAB tendo em vista que o profissional alcança aqueles que fazem parte do seu circuito de amigos ou conhecidos nas redes sociais, e não um instrumento destinado a uma coletividade indiscriminada sem prévio contato com o profissional, sem prejuízo dos mecanismos de impulsionamento de publicações, já admitidos pelo Tribunal de Ética de São Paulo em consultas deontológicas.

Por outro lado, o advogado, fazendo uso das redes sociais, não pode trazer expressões que caracterizem alguma infração disciplinar como por exemplo a promessa de resultado, a especificação de preços aviltantes. O que há de se verificar é o conteúdo em si da manifestação publicitária do advogado nas redes sociais e não o simples fato de ela ser feita.

ConJur — Na sua opinião, o Conselho Federal tende a adotar que posição?
João Carlos Navarro de Almeida Prado — Particularmente, acredito que o Conselho Federal tende a manter o regime de publicidade da advocacia apenas com esses detalhamentos sobre as questões ligadas à tecnologia, às redes sociais, que não foram tratadas no provimento anterior do ano de 2000. Portanto não vislumbro grandes mudanças nas regras vigentes.

Fonte: ConJur

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