TRT analisa se o motorista trabalha para a plataforma UBER se há vínculo empregatício

A C Ó R D Ã O

4ª Turma

GMALR/abm


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO.


RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. UBER . IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO.

I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia “Uber” e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT) , sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante . No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que “o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré”. Tais premissas são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. IV. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo) . O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT. V. O trabalho pela plataforma tecnológica – e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento sumaríssimo. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal . VII . Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-10575-88.2019.5.03.0003 , em que é Agravante RICARDO RAMOS DE SA e Agravada UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.


A Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo Reclamante (decisão de fls. 1.300/1.301 do documento sequencial eletrônico nº 98), o que ensejou a interposição do agravo de instrumento ora analisado (fls. 1.310/1.314 do documento sequencial eletrônico nº 98).

Contraminuta e contrarrazões não apresentadas .

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1. CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade do agravo de instrumento, dele conheço .


2. MÉRITO

A decisão denegatória está assim fundamentada:

“PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

Contrato Individual de Trabalho / Reconhecimento de Relação de Emprego.

Trata-se de recurso em processo submetido ao RITO SUMARÍSSIMO, com cabimento restrito às hipóteses em que tenha havido contrariedade a Súmula de jurisprudência uniforme do C. TST e/ou violação direta de dispositivo da Constituição da República, Súmula Vinculante do E. STF, a teor do § 9º do art. 896 da CLT (redação dada pela Lei 13.015/14).

Registro que em casos tais é igualmente incabível o Recurso de Revista ao fundamento de alegado desacordo com OJ do C.TST, em consonância com a sua Súmula 442.

Examinados os fundamentos do acórdão, constato que o recurso, em seus temas e desdobramentos, não demonstra violação literal e direta de qualquer dispositivo da Constituição da República ou contrariedade com Súmula do C. TST ou Súmula Vinculante do E. STF, como exige o citado preceito legal.

Não existem as ofensas constitucionais apontadas, pois a análise da matéria suscitada no recurso não se exaure na Constituição, exigindo que se interprete o conteúdo da legislação infraconstitucional. Por isso, ainda que se considerasse a possibilidade de ter havido violação ao texto constitucional, esta seria meramente reflexa, o que não justifica o manejo do recurso de revista, conforme reiteradas decisões da SBDI-I do C. TST.

O acórdão recorrido está lastreado em provas. Incabível, portanto, o recurso de revista para reexame de fatos e provas, nos termos da Súmula 126 do C. TST.

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao recurso de revista” (fl. 1.300 do documento sequencial eletrônico nº 98).


Como se observa, trata-se de agravo de instrumento em que se pretende destrancar recurso de revista interposto de decisão publicada na vigência das Leis nº 13.015/2014 e 13.467/2017 (acórdão regional publicado em 17/10/2019 – fl. 3 do documento sequencial eletrônico nº 1).

A parte Agravante insiste no processamento do seu recurso de revista, por violação dos arts. 2º, 3º, e 6º, parágrafo único da CLT, 1º, III e IV, 5º, LV, e 7º, da Constituição Federal .

Alega ser “inquestionável que restou devidamente demonstrado que ao não se reconhecer a existência de uma relação empregatícia no caso em questão, mas apenas uma relação de parceria, o Acordão Regional ao manter o entendimento constante na sentença propiciou violação direta aos cânones constitucionais de nossa República, na medida em que autoriza o desrespeito a um conjunto de direitos inerentes a todos trabalhadores dependentes e subordinados” (fl. 1.307 do documento sequencial eletrônico nº 98).

De plano, constato a impossibilidade de apreciação do agravo de instrumento com enfoque nas alegações de violação dos arts. 2º, 3º, e 6º, parágrafo único da CLT, e 5º, LV, da Constituição Federal. Trata-se de argumentação jurídica deduzida tão somente no agravo de instrumento, o qual, como se sabe, não comporta argumentos inovatórios, tampouco se presta a complementar o recurso que se visa a destrancar. Em relação aos dispositivos celetistas invocados, destaca-se ainda que o presente processo tramita pelo rito sumaríssimo, incidindo o óbice previsto no art. 896, § 9º, da CLT.

Igualmente inadmissível o recurso fundado na alegação genérica de violação do art. 7º da Constituição Federal, sem a indicação precisa do inciso tido por violado, considerando-se os óbices previstos no art. 896, § 1º-A, II, da CLT, bem como o entendimento consagrado na Súmula nº 221 do TST.

Desta forma, prossigo na análise do agravo de instrumento tão somente com enfoque na alegação de violação do art. 1º, III e IV, da Constituição Federal.

Acerca do tema controvertido, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença de seguinte teor:

“Do Vínculo de Emprego. Das Verbas Rescisórias

Alega o autor que aderiu aos termos e condições da reclamada, iniciando as atividades em 20/07/2016, tendo sido dispensado em 08/03/2018. Aduz que sua jornada de trabalho era de segunda-feira a domingo, perfazendo uma média de 8 a 12 horas por dia e recendo, média, R$ 400,00 por semana. Requer o reconhecimento do vínculo de emprego com a empresa, por entender existentes os pressupostos fático-jurídicos, extraídos do art. 2º e 3º da CLT, com o consequente registro da CTPS e pagamento das verbas trabalhistas correlatas.

A ré contesta, sustentando, em síntese, que há entre as partes apenas parceria comercial, não estando preenchidos quaisquer dos elementos configuradores da relação de emprego.

Ressalta a reclamada que tem como finalidade única e exclusivamente a disponibilização e a manutenção de um aplicativo de smartphone feito para aproximar pessoas, não explorando o serviço de transporte.

Admitida a prestação de labor, incumbe à ré a prova de que este trabalho deu-se por razão outra que não o contrato de emprego (art. 818, II, CLT art. 818 da CLT e art. 373, inciso II, do NCPC), haja vista se tratar de fato obstativo do direito do autor.

Pois bem.

Conforme lição do ilustre magistrado Sérgio Pinto Martins: ‘O trabalhador autônomo é, portanto, a pessoa que presta serviços habitualmente, por conta própria a uma ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos de sua atividade econômica. Dessa forma, o trabalhador autônomo não é subordinado como o empregado, não estando sujeito ao poder de direção do empregador, nem tendo horário de trabalho, podendo exercer livremente a sua atividade, no momento que o desejar, de acordo com a sua conveniência. A diferença fundamental entre o trabalhador autônomo e o empregado é a existência de subordinação, o recebimento de ordens por parte do empregador. Entretanto, há dificuldades, em certos casos, em se verificar se existe ou não esse elemento para definição da relação de emprego. Em outras oportunidades é preciso verificar a quantidade de ordens a que está sujeito o trabalhador para se notar se pode desenvolver normalmente seu mister sem qualquer ingerência do empregador.’ (in Direito do Trabalho 2a. Edição – Malheiros Editores – p. 134).

Como se sabe, na seara trabalhista, prevalece o princípio da primazia da realidade dos fatos, em que importa mais a realidade dos elementos havidos na relação desenvolvida entre as partes do que os aspectos formais estipulados pelos contratantes, de modo que, uma vez presentes os requisitos para configuração da relação de emprego, é forçoso reconhecer o vínculo empregatício.

De acordo com o art. 3º da CLT, empregado é a pessoa física que presta serviços com pessoalidade, em caráter não-eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante pagamento de salário.

Para caracterização do vínculo de emprego necessário se demonstra a existência dos seguintes cinco elementos essenciais ao contrato: a prestação do trabalho por pessoa física, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.

A pessoalidade caracteriza-se pela prestação pessoal do serviço, não podendo fazer-se substituir, a não ser em caráter esporádico e com consentimento do empregador.

O contrato, portanto, é intuitu personae.

A habitualidade traduz-se pela exigência da prestação de serviços de forma não eventual. O trabalho eventual, ou convencionado por atividades certas, ou de curto período, não ensejam a caracterização do vínculo empregatício.

Saliento por oportuno, que a habitualidade diverge da exclusividade, a qual não é obrigatória perante o Direito do Trabalho.

A onerosidade também deve estar presente na relação havida, uma vez que o pagamento de remuneração é contraprestação devida em virtude de um contrato de trabalho.

Por fim a subordinação, característica de suma importância, na medida em que é direito do empregador comandar, dar ordens, controlar tarefas, horários.

Compulsando detidamente os autos, percebo a ausência de documentos que revelem a situação fática alegada pelo autor na inicial.

Ao revés, o depoimento pessoal do autor revelou a ampla autonomia na prestação de serviços , ficando a seu critério o melhor horário de trabalho e os dias que lhe fossem convenientes, sem que houvesse qualquer punição decorrente. Além disso, era seu o ônus da atividade econômica, ficando a seu encargo os custos com combustível e manutenção do veículo utilizado, que era de sua propriedade, recebendo apenas pelas corridas realizadas.

Vejamos: ‘ … que não havia metas de número de corrida ou valores a serem arrecadados por dia; que prestava serviço para o aplicativo a partir das 06h00; que não havia horário pré determinado para iniciar e encerrar a prestação de serviço ; (…) que não foi exigida exclusividade; que o depoente fez o cadastro online e compareceu na central para liberação do seu cadastro e vistoria no veículo, que na época era obrigatória; que não foi informado ao depoente o motivo do seu bloqueio embora tenha procurado informações à respeito; que não poderia recusar mais de uma corrida consecutiva no dia, sob pena de ser punido por meio de suspensão das corridas; que já recusou mais de uma corrida, não consecutivamente, no dia, sem que fosse punido, não sabendo dizer se havia limitação do número máximo de corridas que pudessem ser recusadas; que já recebeu avaliação negativa de passageiro, mas continuou a prestar os serviços; que repassava 25% do faturamento para a ré; que utilizava o veículo próprio e arcava com custeio de combustível e manutenção; que teve ciência dos termos de uso quando fez o cadastro; que somente pessoa física pode fazer o cadastro; que o depoente fez treinamento online antes de iniciar a prestação de serviço; que não passou por entrevista; que todas as ocorrências eram tratadas por meio do aplicativo, não se reportando diretamente a uma pessoa específica; que o depoente avaliava os passageiros; que o depoente faturava cerca de R$1.400,00/R$1.500,00 por mês, líquidos; que o aplicativo não permite o aceite da viagem e cancelamento posterior; que o passageiro pode escolher rota diversa daquela que consta no aplicativo; que o depoente ligava o desligava o aplicativo nos dias em que queria, ficando a seu critério; que nunca deixou de trabalhar por um período prolongado; que o motorista não pode cadastrar outros motoristas em sua conta; que dois ou mais motoristas podem cadastrar o mesmo veículo; que poderia utilizar carro alugado caso fizesse o cadastro.’

Diante do quadro fático delineado tenho que o trabalho do autor era realizado de forma não eventual, sem o cumprimento de horários pré-determinados para início das viagens e número mínimo de viagens por dia, podendo ligar o desligar o aplicativo nos dias em que queria, ficando a seu critério, ou seja, laborar de acordo com sua vontade e administrar seu tempo e força de trabalho em busca de condições mais vantajosas.

A respeito do elemento onerosidade, ressalto que é de conhecimento notório que existe a possibilidade de pagamento direto, em espécie, feito diretamente ao motorista, sendo que o salário é pago diretamente pelo empregador no caso de uma relação de emprego.

Quanto ao requisito da subordinação, revela-se evidente que o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré, porquanto não se submeteu a entrevistas de admissão, fixação de metas sobre quantidade de corridas diárias e o efetivo controle de horários.

Ademais, confessou que utilizava o veículo próprio e arcava com custeio de combustível e manutenção, e que o passageiro podia escolher rota diversa daquela que consta no aplicativo.

Com efeito, o autor assume os riscos da atividade em um contrato nitidamente de natureza civil, ao qual adere livremente . Outrossim, reputo comuns e usuais a atuação coordenada das partes para atingir os fins lucrativos e o descredenciamento por inadimplemento da obrigação de manter padrões elevados de confiabilidade e qualidade dos serviços prestados, sem a incidência da subordinação jurídica.

Dessa feita, são plenamente justificáveis as recomendações sobre a limitação do ano de fabricação do veículo e o controle de indisponibilidade do motorista para atendimento rápido e seguro dos clientes.

Diante do exposto, ausentes os elementos fático-jurídicos essenciais à caracterização da relação de emprego (art. 3º da CLT), julgo improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo com a reclamada, anotações da CTPS e todos os pedidos formulados na peça de ingresso, eis que diretamente dele decorrentes” (fls. 1.197/1.201 do documento sequencial eletrônico nº 98).


Na forma do art. 247 do RITST, o exame prévio e de ofício da transcendência deve ser feito à luz do recurso de revista. Logo, a análise de que a causa oferece ou não transcendência pressupõe a viabilidade do exame das matérias tratadas naquele recurso para efeito de fixação da correspondente tese, com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, a que se refere o § 1º do art. 896-A da CLT.

Na hipótese, discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia “Uber” e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda.

Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT) , sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconheço a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT).

Como se observa, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante . No particular, houve reconhecimento na instancia ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que “o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré” . Tais premissas são insusceptíveis de revisão nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST.

A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo).

O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquele prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT:

Direito do Trabalho. Ação Declaratória da Constitucionalidade e Ação Direta de Inconstitucionalidade. Transporte rodoviário de cargas. Lei 11.442/2007, que previu a terceirização da atividade-fim. Vínculo meramente comercial. Não configuração de relação de emprego. 1. A Lei nº 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga; (ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese. 2. É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170). A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º). Precedente: ADPF 524, Rel. Min. Luís Roberto Barroso. 3. Não há inconstitucionalidade no prazo prescricional de 1 (um) ano, a contar da ciência do dano, para a propositura de ação de reparação de danos, prevista no art. 18 da Lei 11.442/2007, à luz do art. 7º, XXIX, CF, uma vez que não se trata de relação de trabalho, mas de relação comercial. 4. Procedência da ação declaratória da constitucionalidade e improcedência da ação direta de inconstitucionalidade. Tese: “1 – A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2 – O prazo prescricional estabelecido no art. 18 da Lei 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7º, XXIX, CF. 3 – Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista”. (ADC 48, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 18-05-2020 PUBLIC 19-05-2020).


O trabalho pela plataforma tecnológica – e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento sumaríssimo.

Em casos semelhantes, o Tribunal Superior do Trabalho tem se posicionado no sentido de que, uma vez registrado pelo Tribunal Regional que o trabalho do motorista profissional, que desenvolve suas atividades com utilização de aplicativo de tecnologia, ocorreu sem preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, a ausência de reconhecimento de vínculo de emprego não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal. Nesse sentido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art. 3º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO . TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar “off line”, sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo . Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário , conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-1000123-89.2017.5.02.0038, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 07/02/2020).


“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA DE APLICATIVO. AUTONOMIA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CONFIGURADO . O Tribunal Regional consignou que os elementos dos autos demonstram autonomia do reclamante na prestação dos serviços, especialmente pela ausência de prova robusta acerca da subordinação jurídica. Ademais, restando incontroverso nos autos que, ” pelos serviços prestados aos usuários, o motorista do UBER, como o reclamante aufere 75% do total bruto arrecadado como remuneração, enquanto que a quantia equivalente a 25% era destinada à reclamada (petição inicial – item 27 – id. 47af69d), como pagamento pelo fornecimento do aplicativo “, ressaltou o Tribunal Regional que, “pelo critério utilizado na divisão dos valores arrecadados, a situação se aproxima mais de um regime de parceria, mediante o qual o reclamante utilizava a plataforma digital disponibilizada pela reclamada, em troca da destinação de um percentual relevante, calculado sobre a quantia efetivamente auferida com os serviços prestados “. Óbice da Súmula nº 126 do TST. Incólumes os artigos 1º, III e IV, da Constituição Federal e 2º, 3º e 6º, parágrafo único, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido” (AIRR-11199-47.2017.5.03.0185, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 31/01/2019).


Incólume, portanto, o art. 1º, III e IV, da Constituição Federal.

Desta forma, não subsistentes as alegações deduzidas pelo Reclamante, o recurso de revista não merece trânsito, como bem decidido pela Autoridade Regional.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.


ISTO POSTO


ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do agravo de instrumento interposto pelo Reclamante e, conquanto reconhecida a transcendência jurídica da causa, no mérito, negar-lhe provimento .

Brasília, 9 de setembro de 2020.



Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALEXANDRE LUIZ RAMOS

Ministro Relator

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